comportamento
estilo
geração selfie
Ted Polhemus
O desespero contemporâneo de Hamlet
Se Hamlet
vivesse nos dias de hoje, certamente sua mais célebre frase seria adaptada para
algo do tipo: “parecer ou não parecer, eis a questão”. Ao que tudo indica, a
palavra estilo mudou sua função. De
sinônimo de personalidade ela virou uma espécie de acessório, possível de ser
trocado todos os dias. Estranho.
A necessidade de aceitação, seja ela física ou virtual, parece ser o elemento comum entre os mais ávidos por fotos de street style e análises de tendências de desfiles. Mas muita calma nesta hora. O que garante que, além de diferente, uma pessoa seja vista como trendsetter, é justamente a valorização de sua história e o entendimento dos elementos que constituem sua personalidade.
Há algumas semanas atrás li uma das frases mais geniais da minha vida. Ela dizia “somos duas metades; metade o que pensam de mim e metade o que eu faço para que pensem assim”. A autoria é de um grande amigo publicitário, acostumado a lidar com as mais variadas essências que compõem o ser humano, bem como seus vícios, suas vaidades e seus egos.
De fato, ser ou
não ser alguma coisa se transformou em uma atitude pensada, medida, planejada.
Essa ‘coisa’ deixou de ser uma questão. Sorry, Hamlet. A moral que rege o
comportamento na atualidade não ser precisa ser profunda. Ela apenas precisa
ser evidente. E engajadora.
Em meio a uma
feira de estilos online, abastecida com as referências mais interessantes, não
é raro encontrar perfis que demonstrem um total desprendimento em assumir uma
cara nova a cada manhã. Cá entre nós, quem nunca sonhou em poder ser outra
pessoa, viver outra vida, experimentar as vantagens de ser quem a gente quiser?
Não é ruim sair
da rotina adotando uma nova maneira de se vestir e se portar. O ruim é quando
você faz isso seguidamente, esquecendo quem você é, suas origens. Renegar seu
próprio estilo de vida apenas porque a garota na foto, clicada em uma rua
qualquer de Londres, aparenta ser mais feliz do que você é, no mínimo, sem
sentido.
Parecer algo
apenas porque facilita a aceitação ou gera mais likes em alguma rede social é um ato de desumanidade consigo mesmo.
É uma forma de abandono de tudo aquilo que, de alguma forma, construiu você,
sua personalidade. Veja bem, não se
trata de ignorar a evolução pessoal, mas de interromper o curso natural dela
pela implantação de uma nova roupagem para a sua vida.
Coloque no seu dia-a-dia somente as referências mais bacanas que tenham a ver com quem você é. Usar um creeper com saia plissada e uma camisa só deve ser uma opção se você não precisou correr, no dia anterior, por três lojas diferentes para montar esse look às pressas. Visite sites, leia revistas, leia jornais, pesquise muito. Em meio a este mar de informações, selecione coisas novas que tenham a ver com seu estilo. Busque agregar, não substituir.
Ted Polhemus,
antropólogo que estuda a moda e seus fenômenos afirmou, em sua última vinda ao
SPFW (edição de inverno 2014), que uma das maiores mudanças vistas no cenário
contemporâneo é justamente essa capacidade de garimpar elementos (sejam eles
roupas, acessórios, calçados, objetos de decoração, etc) e criar novas
possibilidades de combinação e uso. O styling
é a forma que a criatividade encontrou de expressar ideias e se comunicar com
outras pessoas.
Valorizar seu
estilo é, acima de tudo, valorizar sua história. Reconhecer todos os momentos
vividos que serviram como base para criar cada pedacinho de você, extraindo
deles as ideias mais preciosas e úteis para o seu caminho. Lembre-se que uma
personalidade forte é construída sobre um alicerce histórico que leva anos para
ser erguido. Nenhum reconhecimento duradouro é baseado em selfies.
Imagens: